Sopa de Letrinhas

quarta-feira, maio 30, 2007

Quando as palavras faltam...

A menina olha para a folha em branco que repousa na sua frente, desanimada. Ela quer escrever, só que não lhe vem nada na cabeça. Não. Pelo contrário, várias idéias lhe surgem, ela só não sabe qual escolher.

Escrever, para ela, não é uma paixão recente. Seus pais lhe diziam que ela nascera praticamente com um papel e uma caneta na mão. Desde pequena, sonhava em ser uma escritora famosa e em ter sua própria editora.

Agora, alguns anos mais tarde, ainda alimente esse gosto pela escrita, mas com outras pretensões. Será? Ela não sabe. Só sabe que não se vê sem as palavras. Mas agora elas lhe faltam e ela sente falta delas.

Pega a caneta timidamente e a pousa sobre o papel. Aos poucos, a folha em branco vai ganhando vida. Vida de outras vidas que até então não existiam. Um mundo novo ganha forma e a menina se sente completa de novo. As palavras fazem parte dela e ela, das palavras faz parte.

terça-feira, maio 29, 2007

Decadência Mágica

[É, galera. As coisas estão difíceis até no mundo mágico]

"Plec", fez o barulho de um pequeno ser que se estatelou no vidro e desceu escorregando, até cair no vaso, localizado logo abaixo da janela. Levantou-se, ainda meio mole, deu um passo, cambaleando, e caiu de pernas abertas sob o galho do antúrio plantado no vasinho.

Estava claro que aquilo não era um inseto. Tinha asas, voava, fazia ruídos estranhos, mas não parecia nem um pouco com uma libélula ou um mosquito. Era uma fada - aparentemente mal. Olheiras caíam sob seus olhos, seu vestido estava levemente rasgado e com pequenos gravetos enganchados nas pontas da saia, seus cabelos roxos, curtinhos e repicados, se destacavam com o azul forte de sua roupa e o furta-cor de suas asas.

Após praguejar durante uns cinco minutos ininterruptos, tirou, de uma bolsinha pendente do lado esquerdo de seu corpo, uma garrafa de vidro incolor, contendo um líquido borbulhante laranja fosforescente. Deu um gole, espremeu os olhos e soltou um grito rouco.

O Ministério de Trabalho das Fadas havia emitido uma carta de demissão em massa, alegando que os Anjos eram criaturas muito mais fáceis de lidar, além de custarem menos aos diretores. Luna, o ser bêbado caído no vaso, fazia parte desse número de demitidos injustamente.

Uma voz fina reclamava e murmurava expressões grosseiras em uma língua desconhecida. Dizia que o mundo mágico era um cocô de morcego, que os Diretores da Fábrica de Sonhos e Guarda-costas tinham cara de besouros fritos e que o seu ex-chefe era mais chato e mais pentelho que um pernilongo.

"É, o mundo das Fadas não é mais a mesma coisa". Dizendo isso, puxou um graveto mínimo de dentro da mesma bolsinha de onde havia puxado a garrafa. Estalou os dedos, o fez chamuscar, em uma das extremidades, e puxou uma longa tragada, que veio seguida de uma baforada volumosa de uma fumaça com cheiro de cereja.

Depois de reclamar um pouco mais sobre o MM(Ministério da Magia), o MTF (Ministério de Trabalho das Fadas) e o SIF (Sindicato das Fadas) - que não ajudou em nada na demissão em massa -, tragou alguns cigarros a mais, xingou as ninfas que roubavam descaradamente os únicos pretendentes do Mundo Mágico, chutou cascalhos aos pés da planta e decidiu ir embora.

"Que decadência. Eu acho que vou virar Fada do Dente."


[Texto inspirado em "Diário de uma Fada Decadente" - por Rod - The Best]

[P.S. da autora: Desculpa por acabar com a imagem de FADINHAS BONITINHAS E DELICADINHAS.]

terça-feira, maio 08, 2007

Hora do Recreio

[Foi isso que a autora descobriu durante uma tarde a mais no colégio.]

Todo dia é assim. Os pequenos animais saem em disparada ao perceberem que o sinal do recreio tocou. Carregam suas malas enormes cheias de contrabandos de soldadinhos de plástico, Barbies da moda, binquedos modernos e bizarros, celulares de última geração - maiores que as cabeças dos pobres coitados - e terríveis e gosmentos... lanches.

O pátio se transforma numa selva e os pequeninos estudantes viram os animais mais perigosos. São pães, bolachas, biscoitos, danones, iogurtes, frutas, achocolatados de caixinha, suquinhos, balas e jujubas. E todos esses cheiros se misturam e formam algo parecido com "bolacha recheada de suco de laranja com tuti-fruti e toddy".

Logo depois de devorarem seus terríveis e gosmentos... lanches... seguem em vários rituais, chamados: brincadeiras. Variam desde esportes violentos (pega-pega, polícia e ladrão, queimada, futebol, barra-manteiga) até os mais tranqüilos(casinha, boneca, "babalu", "Pararapárati", adoleta, amarelinha, caracol).

Geralmente todos sossegam quando o sinal toca de novo e os animais superiores pedem pra os subordinados se organizarem em filas - é hora do Hino. Os brinquedos somem, as mochilas fecham, as bolas são agarradas e o último gole do "Todinho" desce a garganta. A música começa e as mandíbulas ferozes se mexem, sem sucesso, na tentativa de pronunciar as palavras complicadas postas na melodia.

A música acaba. O burburinho começa e os pequenos animaizinhos se encaminham de volta às suas jaulas.

terça-feira, maio 01, 2007

Mulheres!

Cena: Homem e Mulher conversando na sala de casa.

H: Você não ficou brava só por que eu me atrasei um pouquinho, né?
M: Nãããão, imagina... – tom irônico.
H: Mas eu já te expliquei! Fiquei preso em uma reunião super importante com aquele cliente de Nova Iorque.
M: Você já disse isso!
H: Então por que você continua brava?
M: EU NÃO ESTOU BRAVA!!!
H: Está sim!
M: Não estou não, mas se você continuar dizendo que eu estou brava, vou ficar!
H: Ih! Já vi tudo: TPM!
M: Lá vem vocês, homens, tentar justificar a raiva feminina com TPM!
H: Ah! Então você está mesmo brava!
M: AGORA ESTOU!!!
A Mulher senta e começa a chorar.
H: O que houve, querida?
M: Você não me ama mais.
H: O quê? Por que você está dizendo uma coisa dessas?
M: Quando nós nos casamos, você não se atrasava nunca!
H: Quando nós nos casamos eu não estava fazendo um projeto super importante para um cliente de Nova Iorque!
M: Sei... Pra você o trabalho é sempre mais importante!
H: Não seja injusta! Você sabe que é mais importante do que tudo!
M: Você tem razão querido! Eu estou sendo injusta mesmo... É que eu queria que esse jantar fosse especial, e...
H: Vai ser! Querida, você está sentindo um cheiro de queimado?
M: Meu Deus! Esqueci a torta no forno!
A Mulher vai correndo até a cozinha e retorna momentos depois, gargalhando.
M: Me desculpe, amor, mas acho que a gente vai precisar chamar uma pizza. A torta está carbonizada!
H: Essas coisas acontecem!
M: Eu sou uma péssima dona-de-casa, não sou? Eu sei disso! – começa a chorar novamente.
H: Você sabe que isso não é verdade!
M: É sim!
H: Não é não!
M: Tá vendo? Você fala que eu estou brava, mas é você que implica comigo!
H: Eu não estou implicando com você.
M: Está sim! Fica discordando de tudo que eu falo de propósito!
H: Mas querida...
M: Tenha uma boa noite!
Sai da sala.
H: Depois nos perguntam por que não a entendemos... Mulheres!

Encontros e Despedidas

Mais um dia longo de trabalho. Hora de ir para casa. O trem se aproxima da plataforma e eu me preparo para entrar com a massa de pessoas que aguarda o transporte. A porta se abre e eu entro. Logo encontro um banco próximo à janela e me sento.
O banco na minha frente é ocupado por um senhor de ralos cabelos brancos, cujas rugas afirmam o peso da idade. Sua expressão é triste, sofrida, e eu me pego olhando demoradamente para ele. O jeito cuidadoso com que segura o jornal e lê rapidamente as notícias, me lembra meu avô.
Ao seu lado, se senta uma mulher com uma criança no colo. Parece cansada, como se seu dia durasse mais do que 24 horas. A criança dorme tranqüilamente, livre de qualquer preocupação. Sorrio, admirando o contraste da cena.
O trem pára. O senhor dobra o jornal e desocupa o lugar que mais tarde seria ocupado por um rapaz com o cabelo penteado com ratafáris. Suas orelhas estão ocupadas com fones de ouvido e ele canta em uma altura quase inaudível, uma música conhecida. Acompanho mentalmente a letra que tanto repeti na infância.
O transporte pára novamente, agora na minha estação. Me despeço com o olhar daqueles desconhecidos com os quais havia passado breves minutos. Desconhecidos que, ao descer do trem, dificilmente voltaria a ver.